Clarice no quarto de despejo


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Clarice no quarto de despejo
Clarice au réduit de la décharge


No meio do dia
Clarice entreabre o quarto de despejo
pela fresta percebe uma mulher.
Onde estiveste à noite, Carolina?
Macabeando minhas agonias, Clarice.
Um amargor pra além da fome e do frio,
Da bica e da boca em sua secura.
De mim, escrevo não só a penúria do pão,
cravo no lixo da vida, o desespero,
uma gastura de não caber no peito,
e nem no papel.
Mas, ninguém me lê, Clarice,
Para além do resto.
Ninguém decifra em mim
a única escassez da qual não padeço,
– a solidão –

E ajustando o seu par de luvas claríssimas
Clarice futuca um imaginário lixo
e pensa para Carolina:
– a casa poderia ser ao menos de alvenaria –
E anseia ser Bitita inventando um diário:
páginas de jejum e de saciedade sobejam,
a fome nem em pedaços
alimenta a escrita clariceana.

Clarice no quarto de despejo
lê a outra, lê Carolina,
a que na cópia das palavras,
faz de si a própria inventiva.
Clarice lê :
– despejo e desejos –
Au milieu de la journée
Clarice entrouvre sa cabane à la décharge.
Elle aperçoit par un ajour, une femme.
Où étais-tu hier soir, Caroline ?
Je macchabéisais mes agonies, Clarice.
Une amertume au-delà de la faim et du froid,
De la sécheresse du bec et de la bouche.
De moi, je n'écris pas seulement la pénurie de pain,
J'enfonce dans la boue de la vie, le désespoir,
un prurit qui n'a pas sa place dans le cœur,
ni même sur le papier.
Mais personne ne me lit, Clarice,
Du reste,
personne ne déchiffre en moi
la seule insuffisance dont je ne souffre pas,
– la solitude –

Et ajustant une paire de gants très blancs
Clarice fouille dans une poubelle imaginaire.
et pense à Caroline
– la maison pourrait être au moins en maçonnerie –
Et elle se languit d'être Bitita inventant son journal intime :
des pages y abondent sur le jeûne et la satiété,
la faim, qui même en mille morceaux
nourrit l'écriture de Clarice.

Clarice au réduit de la décharge
en lit une autre, lit Caroline,
celle qui, en copiant des mots
fait d'elle-même sa propre production.
Clarice lit :
– dépotoir et désirs –
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Brendon Reis
Quarto de despejo (2018)
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