Amor


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Adélia Prado »»
 
Terra de Santa Cruz (1981) »»
 
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Amor
Amour


A formosura do teu rosto obriga-me
e não ouso em tua presença
ou à tua simples lembrança
recusar-me ao esmero de permanecer contemplável.
Quisera olhar fixamente a tua cara,
como fazem comigo soldados e choferes de ônibus.
Mas não tenho coragem,
olho só tua mão,
a unha polida olho, olho, olho e é quanto basta
pra alimentar fogo, mel e veneno deste amor
 incansável
que tudo rói e banha e torna apetecível:
caieiras*, desembocaduras de esgostos,
idéia de morte, gripe, vestido, sapatos,
aquela tarde de sábado,
esta que morre agora antes da mesa pacífica:
ovos cozidos, tomates,
fome dos ângulos duros de tua cara de estátua.
Recolho tamancos, flauta, molho de flores, resinas,
rispidez de teu lábio que suporto com dor
e mais retábulos, faca, tudo serve e é estilete,
lâmina encostada em teu peito. Fala.
Fala sem orgulho ou medo
que à força de pensar em mim sonhou comigo
e passou um dia esquisito,
o coração em sobressaltos à campainha da porta,
disposto à benignidade, ao ridículo, à doçura. Fala.
Nem é preciso que o amor seja a palavra.
"Penso em você" - me diz e estancarei os féretros,
tão grande é minha paixão.
La beauté de ton visage m'y oblige
et je n'ose pas, en ta présence
ou à ton simple souvenir me refuser
pour toujours au dévouement de sa contemplation.
J'aimerais pouvoir fixer ton visage,
comme le font du mien soldats et chauffeurs de bus.
Mais je n'en ai pas le courage,
je regarde seulement ta main,
son ongle poli que je regarde, regarde, regarde, et cela
suffit pour alimenter feu, miel et venin de cet amour
 inlassable
qui ronge et baigne tout et le rend désirable :
amas coquilliers, bouches d'égout,
idée de la mort, grippe, vêtements, chaussures,
certains samedis soir,
dont celui qui meurt en ce moment devant la table paisible :
œufs durs, tomates,
affamé par les traits anguleux de ton visage de statue.
Je collectionne sabots, flûte, bouquet de fleurs, résines,
la sévérité de tes lèvres que je supporte avec douleur,
autels aussi, couteaux, stylets de toutes sortes,
lames appuyées sur ta poitrine. Parle
et dis sans orgueil ni crainte
qu'à force d'y penser, tu as rêvé de moi
et passé une journée difficile,
le cœur tressaillant au bruit de la sonnette,
empli de gentillesse, de ridicule, de douceur. Parle
simplement, l'amour n'a pas besoin de mots.
« Penser à toi » suffit. J'épuise des cercueils,
si grande est ma passion.
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Salvador Dali
L'homme invisible (1929)
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