Para começar sento-me num jardim...


Nom :
 
Recueil :
Source :
 
Autre traduction :
Nuno Rocha Morais »»
 
Poèmes inédits »»
nunorochamorais.blogspot.com (septembre 2022) »»
 
Italien »»
«« précédent / Sommaire / suivant »»
________________


Para começar sento-me num jardim...
Pour commencer je suis assis dans un jardin...


Para começar sento-me num jardim
À procura de um regresso que não se acha –
Túneis e galerias,
Um pais perdido tão facilmente,
Mais leve do que o pó.
Uma tarde para experimentar por fim
A minha vida,
Aquela que julguei a minha pior inimiga,
A que me roubou tudo quanto amei
E pouco me deixou nas mãos –
Mas agora não vale a pena lutar contra ela
E sorrio-me do absurdo que é sabê-lo,
Talvez mais até do que combatê-la.
É com a minha vida que me sento,
Percebendo o seu relevo lacunar –
Alguém deverá ter dito desta fulguração última
Sobre a qual vai ganhando consistência
Um sono imprestável,
Que se converte em crosta e fundura
E assim se me revela:
De nada serve ou adianta que outrora –
Ontem, apenas – um nome tenha sido amor,
O nome que se vai desmantelando
No movimento vagaroso da tarde.
Seja como for, a conta estará certa.
Para acabar, sento-me num jardim.
Ao levantar-me, serei simplesmente o que começa.

Pour commencer, je suis assis dans un jardin
Cherchant une issue impossible à trouver –
Tunnels et galeries,
Un pays si facilement perdu,
Mais plus léger que poussière.
Un après-midi enfin pour éprouver
Ma vie,
Celle que je croyais être ma pire ennemie,
Qui m'a volé tout ce que j'aimais
Et m'a laissé peu de choses entre les mains –
Mais il est inutile maintenant de lutter contre elle
Et je souris devant l'absurdité de le savoir,
Peut-être même plus que d'avoir à la combattre.
C'est avec ma vie que je m'assieds,
Percevant son relief lacunaire –
Quelqu'un aurait dû dire cette fulguration dernière
Sur laquelle on gagne en consistance
Un sommeil de quatre sous
Qui se transforme en croûte et profondeur
Et c'est ainsi qu'elle se révèle à moi :
Ne servant à rien ou peut-être jadis –
Hier, à peine – un nom avait été amour,
Nom qui va se démanteler
Dans le lent mouvement du soir.
Quoi qu'il en soit, le compte sera juste.
Pour finir, je m'assois dans un jardin.
En me levant, je serai simplement ce qui commence.

________________

Vincent van Gogh
Les Alyscamps en automne (1888)
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (106) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (435) Pássaro de vidro (52) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (252) Reinaldo Ferreira (23) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)