Instruções para sobreviver a uma quarentena


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Instruções para sobreviver a uma quarentena
Instructions pour survivre à une quarantaine


Põe à tua frente um rosto pousado numa almofada,
como se dormisse, mas com os olhos abertos e um brinco
que sobressai sobre os cabelos.

Pensa nas palavras que lhe poderias dizer, ao ouvido,
com cuidado para não perder nenhuma sílaba entre o brinco
e o puro desenho do seu perfil.

Não as digas todas de uma vez, e guarda uma parte para
os dias que ainda faltam, como se tivesses de multiplicar
por catorze dias cada um dos versos do soneto.

Sente aqueles lábios como se tivessem o sabor de uma romã,
e não saboreies tudo porque, tal como os bagos da romã, também
a boca tem de ser provada passo a passo, com todo o seu sumo.

Lembra-te da voz que entrou nos teus ouvidos e ainda
hoje, quando a angústia de um silêncio te percorre, volta
a soar com a doce lentidão da sua música.

Não precisas de pensar em urgencias, em inutéis ansiedades,
no tempo que parece não chegar ao fim, e segura nas tuas
  mãos a forma
das mãos que por elas passaram, como se o tempo não passasse.

Poupa o que tens de dizer, agora, e espera que as suas palavras
te ensinem a conhecer a expectativa de um encontro para que,
  então,
gastes todas as palavras que poupaste.

E não te esqueças de passar os dedos da memória por dentro
daqueles cabelos, e respirar, de novo, o perfume da vida
que brilha no leve desenho de um sorriso.

Mettez un visage devant vous posé sur un oreiller,
comme s'il dormait, avec les yeux ouverts et une boucle d'oreille
qui ressort des cheveux.

Pensez aux paroles que vous pourriez lui dire à l'oreille,
avec précaution pour ne perdre aucune syllabe entre la boucle
et le dessin épuré de son profil.

Ne les dites pas toutes à la fois, gardez-en une partie pour
les jours à venir, comme s'il fallait produire
pendant quatorze jours chacun des vers d'un sonnet.

Goutez ces lèvres comme si elles avaient la saveur d'une grenade,
ne savourez pas tout car la bouche aussi, comme les baies
de la grenade, s'apprécie pas à pas, avec tout son jus.

Souviens-toi de la voix entrée dans tes oreilles et encore
aujourd'hui, quand l'angoisse d'un silence te traverse, elle revient
résonner avec la douce lenteur de sa musique.

Il n'est pas nécessaire ni urgent de penser aux angoisses inutiles,
au temps qui semble ne jamais finir, ni dans tes mains de
  retenir la forme
des mains qui les ont effleurées, comme si le temps ne passait pas.

Épargne maintenant ce que tu tiens à lui dire et attends que ses
paroles t'apprennent à connaitre l'espoir d'une rencontre pour qu'
  ensuite
tu puisses dispenser en elle toutes les paroles épargnées.

Et n'oublie pas de passer les doigts de ta mémoire dans ses
cheveux, et respire, de nouveau, le parfum de la vie qui brille
dans le dessin léger d'un sourire.


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Frida Kahlo
Racines (1943)
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