Viagem nocturna


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Regresso a um Cenário Campestre (2020) »»
 
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Viagem nocturna
Voyage nocturne


Apanho o comboio da noite. Os comboios
da noite costumam ter grandes compartimentos
vazios, bancos onde podemos sonhar, janelas
fechadas para o mundo que não se vê. Nesses
comboios o tempo passa devagar, como o
passageiro que atravessa a carruagem à procura
de alguém que perdeu ao longo da sua vida,
e poderia estar nalgum sítio, talvez no bar, mas
naquela viagem o bar ficou fechado. Vou nesse
comboio à espera da primeira luz da madrugada,
quando se começa a ver o rio, tento adivinhar
em que direcção vão as suas águas e pergunto em
que estação nos iremos encontrar, em que
horizonte as linhas do comboio se cruzarão
com as linhas do destino, e se estarás
em frente do degrau por onde irei descer,
olhando à volta, à tua procura. E
entro em todos os comboios da noite, saio
em todos os apeadeiros da madrugada, e conto
as constelações que faltam para chegar
a esse ponto em que a tua presença deteve
o curso do rio, para que nos encontrássemos
entre uma estação e um cais, entre uma
e outra carruagem do comboio que perdemos.

Je prends le train de nuit. Les trains
de nuit ont d'habitude de grands compartiments
vides, des banquettes où l'on peut rêver, des fenêtres
fermées à un monde qu'on ne voit pas. Dans ces
trains, le temps passe lentement, comme pour le
passager qui traverse le wagon à la recherche
de quelqu'un qu'il a perdu au long de sa vie,
et qui pourrait être par ici, peut-être au bar, mais
dans ce voyage, le bar est fermé. Je vais dans ce
train attendant les premières lueurs de l'aube,
quand on commence à voir le fleuve, j'essaie de deviner
vers où ses eaux s'en vont et je me demande
dans quelle station nous nous rencontrerons, quel
sera l'horizon où les lignes du train croiseront
celles de ta destinée, et si tu seras
en face de la marche que je descendrai,
regardant alentour, à ta recherche. Et
je monte dans tous les trains de nuit, je sors
à toutes les stations de l'aube, et fais le compte
des constellations qui manquent pour arriver
à ce point où ta présence a retenu le cours
du fleuve, de sorte que nous nous rencontrons
entre une gare et un quai, entre l'un et
l'autre wagon du train que nous avons manqué.


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Edward Hopper
Compartiment C, Voiture 293 (1938)
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