Requiem (V)


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Requiem (V)
Réquiem (V)


Felizes os que partem.
Não os que chegam aos portos apodrecidos.
Felizes os que partem e não regressam jamais.

Que eu esteja sempre no meio do caminho
e a minha viagem seja inacabada.
Felizes os que não conhecem a estação final.

Felizes os que somem no nevoeiro,
os que abrem as janelas quando nasce a manhã,
os que acendem as luzes dos aeródromos.

Felizes os que atravessam as pontes
quando a tarde pousa entre os gasômetros como
 um pássaro.
Felizes os que possuem uma alma distraída.

Felizes os que sabem que, no fim da travessia,
o Nada os espera, como um espantalho num milharal.
Felizes os que só se acham na perda e no vento.

Felizes os que viveram mais de uma vida.
Felizes os que viveram vidas inumeráveis.
Felizes os que desaparecem quando os circos
 vão embora.

Felizes os que sabem que toda fonte é um segredo.
Felizes os que amam as tempestades.
Felizes os que sonham com trens iluminados.

Felizes os que amaram corpos e não almas,
os que ouviram o pio das corujas brancas no silêncio
 da noite.
Felizes os que encontraram uma sílaba perdida na
 relva orvalhada.

Felizes os que atravessaram a noite obscura e a bruma
 inoportuna,
os que viram o fogo crepitante nascer nas grandes
 fogueiras de junho,
felizes os que assistiram ao céu abrir-se como um pálio
 para acolher o vôo do gavião.

Felizes os que moram nas ilhas periféricas
e são rodeados ao cair da noite por uma nuvem de tanajuras.
Felizes os sedentários que um dia foram embora.
Heureux ceux qui partent.
Non ceux qui arrivent aux ports de la putréfaction.
Heureux ceux qui partent et ne reviennent jamais.

Que je sois toujours au milieu du chemin
Que mon voyage reste inachevé.
Heureux ceux qui ignorent la dernière station.

Heureux ceux qui s'effacent dans le brouillard,
ceux qui ouvrent les fenêtres à la naissance du matin,
ceux qui allument les lumières des aérodromes.

Heureux ceux qui traversent les ponts
quand le soir se pose comme un oiseau entre
 les gazomètres.
Heureux ceux qui possèdent une âme distraite.

Heureux ceux qui savent qu’à la fin de la traversée
le Rien les attend, comme l'épouvantail d'un champ de maïs.
Heureux ceux qui ne se sont pas perdus ou dans le vent.

Heureux ceux qui ont vécu plus d'une vie.
Heureux ceux qui ont vécu d'innombrables vies.
Heureux ceux qui disparaissent quand les cirques
 s'en vont.

Heureux ceux qui savent que chaque source est un secret.
Heureux ceux qui aiment les tempêtes.
Heureux ceux qui rêvent de trains éclairés.

Heureux ceux qui ont aimé les corps, et non les âmes,
ceux qui entendirent le cri des chouettes blanches
 dans le silence de la nuit.
Heureux ceux qui ont trouvé une syllabe perdue
  sur un gazon de rosée.

Heureux ceux qui ont traversé la nuit noire et le
 brouillard importun,
ceux qui ont vu le feu crépitant monter aux grands
 feux de la Saint-Jean,
Heureux ceux qui ont vu le ciel s'ouvrir comme un dais
 pour accueillir le vol du faucon.

Heureux ceux qui demeurent dans les îles périphériques
et ils sont entourés à la nuit tombante par un nuage de fourmis.
Heureux les sédentaires qui un jour sont partis.
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Cândido Portinari
Épouvantail (1959)

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