Memória


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Memória
Mémoire

desfiladeiros
precipícios
ruas sem nome

uma lagartixa antiquíssima
diz sim com a cabeça

há sol
mas nunca será meio-dia
e uma lixa grossa
permanente
se arrasta na pele da paisagem

*

não há meio-dia:
é preciso curvar os olhos
para divisar as figuras
semidispersas na sombra

a lagartixa diz sim?
talvez — o ouvido é mouco
quando se escuta daqui

(a lixa de sono e silício
aplaina as cordilheiras do som)

foi bom? foi escasso?
algum mel ainda incendeia
o regaço da nuvem?
ou tudo não passa de rara
penugem no braço da imaginação?

de vez em quando
tempestades de areia
desenham
na foto sépia
regiões antes secretas

aí descobre-se a cornucópia
felicidade póstuma

mas aí também se abrem
os sótãos
as fossas submarinas
e surgem monstros de família
anacondas que dão a volta no equador

  *

toda dor se dilui
ao sol
mesmo ao crepúsculo

terras vermelhas
um breve roçar
de coxas
antigas rixas se apagam

e a lixa estende seus músculos
para forçar as planícies do único
a cicatriz
o silêncio

défilés
précipices
rues sans nom

un lézard préhistorique
dit oui de la tête

il y a du soleil
mais jamais il ne sera midi
une grosse lime
permanente
se traine sur la peau du paysage

*

il n'y a pas de midi :
et il faut plisser les yeux
pour distinguer les chiffres
semi-dispersé dans l'ombre

le lézard dit oui ?
peut-être — mais d'ici l'oreille est
sourde lorsqu'on l'écoute

(la lime de sommeil et de silice)
aplanit les cordillères sonores)

Était-ce bien ? Était-ce insuffisant ?
y a-t-il encore du miel qui brûle
dans le giron des nuages ?
ou tout n'est-il que rare
duvet au bras de l'imagination ?

de temps à autre
des tempêtes de sable
dessinent
sur la photo sépia
des régions auparavant secrètes

là, se découvre la corne d'abondance
félicité posthume

mais là aussi s'ouvrent
des greniers
des fosses sous-marines
et surgissent des monstres familiers
anacondas qui font le tour de l'équateur

*

toute douleur se dilue
au soleil
même au crépuscule

terres vermeilles
un effleurement bref
de cuisses
d'anciennes rivalités s'éteignent

et la lime déploie ses muscles
pour forcer les plaines de l'unique
la cicatrice
le silence

________________

Olaus Magnus
Carte-portulan (1539)
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