Amava as histórias de toda a gente...


Nom :
 
Recueil :
Source :
 
Autre traduction :
Nuno Rocha Morais »»
 
Poèmes inédits »»
nunorochamorais.blogspot.com (septembre 2020) »»
 
Italien »»
«« précédent / Sommaire / suivant »»
________________


Amava as histórias de toda a gente...
Elle aimait les histoires de tous...


Amava as histórias de toda a gente,
Porque essa era a verdadeira respiração do mundo.
O terror era a ausência de linguagem,
O uivo dos lobos da serra
Quando andava à lenha
Ou o pai, ofegante e moribundo no quarto,
Com os pulmões soterrados pela mica.
Aos sessenta anos, quis aprender a ler,
Como se só assim pudesse sair da escuridão,
Fugir dos lobos. E, desde então,
Aproveitava todas as oportunidades para escrever.
Eram sobretudo, os envelopes de Natal,
Onde introduzia notas,
Apondo por fora o nome de cada sobrinho,
Numa caligrafia esforçada,
E era claro que, para ela,
Como para nós agora,
Cada um desses nomes manuscritos
Representava uma vitória,
Um afecto que, roubado ou indizível,
Ganhava a mais justa forma.
Aos oitenta anos, um ataque
Paralisou-lhe parcialmente a boca
E com dificuldade articulava consoantes.
A sua fala converteu-se num vocalismo vazio,
Grandes lagos brancos, glaciais, espaço informe,
Som por modelar; ou já sentido puro
Que só a custo podíamos alcançar.

Elle aimait les histoires de tous,
Car elles sont la véritable respiration du monde.
Ses terreurs étaient l'absence de langage,
Le hurlement des loups en montagne
Comme elle allait chercher du bois
Ou son père, haletant, moribond dans sa chambre,
Avec les poumons terrés de mica.
À soixante ans, elle voulut apprendre à lire,
Le seul moyen pour elle, de sortir de l'ombre,
De fuir les loups. Et dès lors,
Elle profitait de toutes les occasions pour écrire.
C'étaient, surtout, des enveloppes de Noël,
Où elle introduisait des notes,
Apposant là, dessus, le nom de chaque neveu,
Dans une calligraphie appliquée,
Et il était clair que, pour elle,
Comme pour nous maintenant,
Chacun de ces noms manuscrits
Représentait une victoire,
Une affection qui, volée ou indicible,
Avait acquis sa plus juste forme.
À quatre-vingts ans, une attaque
Lui paralysa partiellement la bouche
Et elle articulait les consonnes avec difficultés.
Son discours se transforma en un vocalisme vide,
Grands lacs blancs, glaciers, espace informe,
Son à modeler ; ou sens désormais pur
Que nous ne pourrions obtenir qu'à prix fort.

________________

Alighiero Boetti
Du jour au lendemain (1986)
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (104) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (432) Pássaro de vidro (52) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (250) Reinaldo Ferreira (10) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)