A noite dissolve os homens


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
Carlos Drummond de Andrade »»
 
Sentimento do Mundo (1940) »»
 
Italien »»
«« précédent /  Sommaire / suivant »»
________________


A noite dissolve os homens
La nuit dissout les hommes


A noite desceu. Que noite!
Já não enxergo meus irmãos.
E nem tão pouco os rumores
que outrora me perturbavam.
A noite desceu. Nas casas,
nas ruas onde se combate,
nos campos desfalecidos,
a noite espalhou o medo
e a total incompreensão.
A noite caiu. Tremenda,
sem esperança… Os suspiros
acusam a presença negra
que paralisa os guerreiros.
E o amor não abre caminho
na noite. A noite é mortal,
completa, sem reticências,
a noite dissolve os homens,
diz que é inútil sofrer,
a noite dissolve as pátrias,
apagou os almirantes
cintilantes! nas suas fardas.
A noite anoiteceu tudo…
O mundo não tem remédio…
Os suicidas tinham razão.
 
Aurora,
entretanto eu te diviso, ainda tímida,
inexperiente das luzes que vais acender
e dos bens que repartirás com todos os homens.
Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações,
adivinho-te que sobes, vapor róseo, expulsando
a treva noturna.
O triste mundo fascista se decompõe ao contato
de teus dedos,
teus dedos frios, que ainda se não modelaram
mas que avançam na escuridão como um sinal verde
e peremptório.
Minha fadiga encontrará em ti o seu termo,
minha carne estremece na certeza de tua vinda.
O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes
se enlaçam,
os corpos hirtos adquirem uma fluidez,
uma inocência, um perdão simples e macio…
Havemos de amanhecer. O mundo
se tinge com as tintas da antemanhã
e o sangue que escorre é doce, de tão necessário
para colorir tuas pálidas faces, aurora.

La nuit est descendue. Quelle nuit !
Je ne distingue déjà plus mes frères
Ni n'entends les rumeurs
qui autrefois me perturbaient.
La nuit est descendue. Sur les maisons,
dans les rues où l’on se bat,
dans les campagnes évanouies,
la nuit a dispersé la peur
et la totale incompréhension.
La nuit est tombée. Épouvantable,
sans espoir... Les soupirs
accusent la présence noire,
qui paralyse les guerriers.
Et l’amour n’ouvre pas de chemin
dans la nuit. La nuit est mortelle,
complète, sans réticences,
la nuit dissout les hommes,
elle dit l'inutilité de souffrir,
la nuit dissout les peuples,
elle a effacé les amiraux
étincelants ! dans leurs uniformes,
La nuit a fait tomber la nuit sur tout…
La nuit n’a pas de remède…
Les suicidés avaient raison.

Aurore,
cependant je te discerne, timide encore,
sans expérience des lumières que tu vas allumer
et des biens que tu vas répartir entre les hommes.
Sous l’humide voile des rages, plaintes et humiliations,
Je pressens qui tu montes, rose vapeur, expulsant les
ténèbres nocturnes.
La tristesse du monde fasciste se décompose au toucher
de tes doigts,
à la froideur de tes doigts, qui n’ont pas été formés encore
mais qui s'avancent dans l’obscurité comme un signal
vert et péremptoire,
Ma fatigue a trouvé en toi son terme,
ma chair tressaille dans la certitude de ta venue.
La sueur est un onguent suave, les mains des survivants
s'enlacent,
les corps hirsutes acquièrent une fluidité,
une innocence, un pardon simple et doux
Nous allons vers l'aube. Le monde
se teint des couleurs de l’avant-jour
et le sang qui s'écoule est sucré, autant que nécessaire
pour coloriser tes pâles joues, aurore.

________________

Anselm Kiefer
Transition du froid vers le chaud (2014)
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alberto Pimenta (11) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Brasileiro (1) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (108) Casimiro de Brito (40) Cassiano Ricardo (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (48) Hilda Hilst (41) Iacyr Anderson Freitas (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (467) Pássaro de vidro (52) Pedro Mexia (40) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (279) Reinaldo Ferreira (40) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Knopfli (43) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)