Autografia I


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
Mário Cesariny »»
 
Pena Capital (1957) »»
 
Italien »»
«« précédent /  Sommaire / suivant »»
________________


Autografia I
Autographie I


sou um homem
um poeta
uma máquina de passar vidro colorido
um copo     uma pedra
uma pedra configurada
um avião que sobe levando-te nos seus braços
que atravessam agora o último glaciar da terra

o meu nome está farto de ser escrito na lista dos tiranos:
condenado à morte!
os dias e as noites deste século têm gritado tanto no meu
peito que existe nele uma árvore miraculada
tenho um pé que já deu a volta ao mundo
e a família na rua
um é loiro
outro moreno
e nunca se encontrarão
conheço a tua voz como os meus dedos
(antes de conhecer-te já eu te ia beijar a tua casa )
tenho um sol sobre a pleura
e toda a água do mar à minha espera
quando amo imito o movimento das marés
e os assassínios mais vulgares do ano
sou, por fora de mim, a minha gabardina
e eu o pico Everest
posso ser visto à noite na companhia de gente altamente
suspeita
e nunca de dia a teus pés florindo a tua boca
porque tu és o dia porque tu és
a terra onde eu há milhares de anos vivo a parábola
do rei morto, do vento e da primavera
Quanto ao de toda a gente – tenho visto qualquer coisa
Viagens a Paris – já se arranjaram algumas.
Enlaces e divórcios de ocasião – não foram poucos.
Conversas com meteoros internacionais – também, já
por cá passaram.
Eu sou, no sentido mais enérgico da palavra
uma carruagem de propulsão por hálito
os amigos que tive as mulheres que assombrei as ruas
por onde passei uma só vez
tudo isso vive em mim para uma história
de sentido ainda oculto
magnifica irreal
como uma povoação abandonada aos lobos
lapidar e seca
como uma linha-férrea ultrajada pelo tempo
é por isso que eu trago um certo peso extinto
nas costas
a servir de combustível
e é por isso que eu acho que as paisagens ainda hão-de
vir a ser escrupulosamente electrocutadas vivas
para não termos de atirá-las semi-mortas à linha

E para dizer-te tudo
dir-te-ei que aos meus vinte e cinco anos de existência solar
estou em franca ascensão para ti O Magnifico
na cama     no espaço duma pedra     em Lisboa-Os-Sustos
e que o homem-expedição de que não há notícias nos
jornais nem lágrimas à porta das famílias
sou eu meu bem sou eu partido de manhã encontrado
perdido entre lagos de incêndio e o teu retrato grande!

Je suis un homme
un poète
une machine à repasser les verres de couleur
une coupe une pierre
une pierre façonnée
un avion qui monte et t'enlève dans ses bras
alors traversant le dernier glacier de la terre

Mon nom est fatigué d'être inscrit sur la liste des tyrans :
condamné à mort !
les jours et les nuits de ce siècle ont tant crié dans ma poitrine
qu'il existe au-dedans un arbre miraculeux
J'ai un pied qui a déjà fait le tour du monde
et ma famille est la rue
l'un est blond
l'autre est brun
et ils ne se rencontreront jamais
Je connais ta voix sur le bout de mes doigts
(avant de te connaitre, j'allais déjà t'embrasser chez toi)
J'ai un soleil sur la plèvre
et toute l'eau de mer qui m'attend
lorsque j'aime, j'imite le mouvement des marées
et les homicides les plus vulgaires du jour
Je ne suis, vu de l'extérieur, que ma gabardine mais en
moi je suis le sommet de l'Everest
On peut me voir la nuit en compagnie de gens hautement
suspects
mais jamais de jour, à tes pieds, fleurissant tes lèvres
parce que tu es le jour parce que tu es
la terre où pendant des milliers d'années j'ai vécu la parabole
du roi mort et du vent printanier
Comme un peu tout le monde – j'ai vu diverses choses
Des voyages à Paris - certains ont déjà été organisés.
Unions et divorces de circonstance – et non des moindres.
J'ai conversé avec des météores internationaux – ils sont aussi
passés par là.
Je suis, dans le sens le plus énergique du terme
un chariot à propulsion par le souffle
les amis que j'ai eus les femmes que j'ai séduites les rues
où je ne suis passé qu'une seule fois
tout cela vit en moi pour une histoire
avec un sens qui se cache encore
irréelle magnifique
comme un hameau abandonné aux loups
lapidaire et desséchée
comme une voie de chemin de fer outragée par le temps
c'est pourquoi, éteint, je porte sur mes épaules
un certain poids
qui me sert de combustible
et c'est pourquoi aussi je pense que les paysages doivent être
encore et scrupuleusement électrocutés vivants
pour ne pas avoir à les jeter à moitié morts en travers des rails

Et pour tout te dire
Je te dirai qu'après vingt-cinq ans d'une existence solaire, je
suis dans une pleine ascension vers toi, Le Magnifique
au lit     dans l'espace d'une pierre     à Lisboa-Os-Sustos
et que l'homme-expédition, sans nouvelles dans les journaux et
sans larmes à la porte des familles
c'est moi, mon ami c'est moi, parti le matin trouvé perdu entre
les lacs de l'incendie et ton grand portrait !

________________

Mário Cesariny
La maison du loup captif (non daté)
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (104) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (432) Pássaro de vidro (52) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (250) Reinaldo Ferreira (9) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)