Passagem do anti-mundo Dante Alighieri


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
Mário Cesariny »»
 
Pena Capital (1957) »»
 
Italien »»
«« précédent /  Sommaire / suivant »»
________________


Passagem do anti-mundo Dante Alighieri
Passage de l'anti-monde Dante Alighieri


I
O amor que é só o amor é já o inferno
diz Dante
mas isso era antes de ser traduzido pelos palhaços
era quando os Titãs asseveravam
que só no interior de grutas inabordáveis
sob gigantescas moles de granito
haviam conseguido viver livres
 
Era quando o inferno queria ser inferno
e para aborrecimento dos tenentes do empíreo
não havia a menor possibilidade de drama
depois houve e logo um fez a todos palhaços
os que estavam em baixo alaram os pés, para cima
os que estavam em cima puxaram a pista, para baixo
 
Fez-se um grande intervalo
este intervalo onde ainda hoje a Terra rola à força de
vácuo
com homens que crescem e minguam pela força
de inércia do vácuo
abandonados pelos grandes faz-tudos
que riem lá muito em cima e ainda mais lá em baixo
 
E que quer dizer isso de amor só amor?
partes alíquotas de dois na cama
que Dante nunca viu aos pés de Beatriz
 
Petrarca também não ao pescoço de Laura
Abelardo esse então no ventre de Heloísa
 
Tudo isso são histórias de encarregados
que andam a ver se não pagamos a conta
se damos sem vencimento a letra antiga
marcada a hebraico na carcela da história
são contos miseráveis de miseráveis
com vinte e cinco séculos de ódio ao corpo
o único transporte navegável
a única matéria que se aguenta
e aguenta
com dentro dele a linfa que varre tudo
 
O amor que é só o amor é já o inferno?
Bandido
 
Inferno é o nome do primeiro amor?
Vadio
 
Vós que entrais perdei toda a esperança?
Gatuno
 
II 
Primeiro segundo terceiro quarto quinto
ao homem dos elevadores o cuidado de prosseguir
mas que amplexo de homem poderá dividir
somar
subtrair
o amor seu amor todos os braços da esfinge?
essa que quatro ao raiar da manhã
essa que dois ao longo do sol a pino
essa que três quando caída a noite
os passos voam no areal do tempo
 
O amor só amor é já o inferno
diz Dante
mas é o amor que é um fogo devorante
 
Não me refiro à prestação do calor
o pra baixo e pra cima também os êmbolos fazem
e todos os dias vêm navios ao mundo
Refiro por exemplo a estrela sextavada
que há no corpo do rio que é o amante
é aí que o amor é um fogo devorante
 
III
Aqui o limbo além o paraíso além o inferno
que cheiro a despegado meu general
 
Eu todos os meus anjos vão juntos para a guerra
Se falta algum é como faltar o chão

I
L'amour qui n'est que l'amour est déjà l'enfer
disait Dante
mais c'était avant qu'il ne soit traduit par des paillasses
lorsque les Titans affirmaient que ce n'est
que sous de gigantesques blocs de granit
à l'intérieur de grottes inaccessibles
qu'ils avaient réussi à vivre libres.

C'est parce que l'enfer a voulu être l'enfer
et pour la contrariété des lieutenants de l'empyrée
qu'il n'y avait pas la moindre possibilité de drame
puis il y en a eu et on a tous joués les paillasses
ceux qui étaient en bas ont relevé leurs pieds vers le haut.
ceux qui étaient en haut ont tiré la piste, vers le bas

Il y eut un grand intervalle
au cours duquel, encore aujourd'hui, la Terre roule
par la force du vide
avec des hommes croissant et diminuant par la force
d'inertie du vide
abandonnés par les grands factotums
qui rient beaucoup là-haut et plus encore en bas

Et que veut dire aussi, l'amour seul l'amour ?
parties aliquotes de deux dans un lit
que Dante jamais ne vit aux pieds de Béatrice

Pétrarque non plus au cou de Laure
Abélard quant à lui du ventre d'Héloïse

Ce ne sont que des histoires de contremaîtres
qui viennent voir si nous ne payons pas la facture
si nous donnons par convenance l'ancienne lettre
rédigée en hébreu dans la carcasse de l'histoire
ce sont des histoires misérables de misérables
avec vingt-cinq siècles de haine du corps
le seul transport navigable
la seule chose qui tienne la route
et tient en lui
fermement la lymphe qui balaie tout

L'amour qui n'est que l'amour est déjà l'enfer ?
Bandit

L'enfer est le nom du premier amour ?
Vaurien

Vous qui entrez ici, perdez tout espoir ?
Escroc
 
II
Premier second troisième quatrième cinquième
à l'homme des ascenseurs le soin de procéder
mais quel étreinte d'homme pourrait partager
ajouter
soustraire
l'amour son amour et tous les bras de la sphinge ?
celle qui est quatre aux rayons de l'aube
celle qui est deux au soleil de midi
celle qui est trois quand la nuit tombe
les pas s'envolent dans le sable du temps

L'amour, l'amour seul est déjà l'enfer
disait Dante
mais c'est l'amour qui est un feu dévorant

Je ne pense pas à la fourniture de chaleur
le bas-en-haut les pistons savent le faire aussi
et chaque jour, viennent des navires au monde
Je pense par exemple à l'étoile à six branches
qu'il y a dans le corps de la rivière qu'est l'amant
c'est là que l'amour est un feu dévorant
 
III
Ici, les limbes au-delà du paradis au-delà de l'enfer
quelle odeur d'indiscipline, mon général

Moi et tous mes anges nous partons pour la guerre
Qu'il en manque un seul, est le sol manque

________________

Giotto di Bondone
Portrait de Dante (1300-1305)
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (104) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (432) Pássaro de vidro (52) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (250) Reinaldo Ferreira (3) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)