Matar é fácil


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
Ana Luísa Amaral »»
 
What’s in a Name (2017) »»
 
Italien »»
«« précédent /  Sommaire / suivant »»
________________


Matar é fácil
Tuer est facile


Assassinei (tão fácil) com a unha
um pequeno mosquito
que aterrou sem licença e sem brevet
na folha de papel

Era em tom invisível,
asa sem consistência de visão
e fez, morto na folha, um rasto
em quase nada

Mas era um rasto
em resto de magia, pretexto
de poema, e ardendo a sua linfa
por um tempo menor
que o meu tempo de vida,
não deixava de ser
um tempo vivo

Abatido sem lança, nem punhal,
nem substância mortal
(um digno cianeto ou estricnina),
morreu, vítima de unha,
e regressou ao pó:
uma curta farinha triturada

Mas há-de sustentar,
tal como os seus parentes,
qualquer coisa concreta,
será, daqui a menos de anos cem,
de uma substância igual

à que alimenta tíbia de poeta,
o rosto que se amou,
a pasta do papel onde aqui estou,
o mais mínimo ponto imperturbável
de cauda de cometa
J'ai tué (c'est facile) avec mon ongle
un petit moustique
qui a débarqué sans autorisation ni brevet
sur ma feuille de papier

Dans les tonalités de l'invisible
aile consistance visible
il a laissé, mort sur la feuille, une trace
un presque rien

Mais cette trace
avec un reste de magie, prétexte
au poème, et brûlant sa lymphe
en un temps plus court
que mon temps de vie,
n'en était pas moins
un temps vivant

Abattu sans lance ni poignard.
ni substance mortelle
(digne cyanure ou strychnine)
il est mort, victime de l'ongle,
et retourne à la poussière :
brève farine broyée

Mais s'il doit se sustenter,
tout comme ses proches,
de choses quelque peu concrètes,
ce sera, d'ici moins de cent ans,
d'une substance égale

à celle alimentant la flute du poète,
amoureux de son visage,
la pulpe du papier qui se trouve ici,
le plus petit point imperturbable
de la queue d'une comète
________________

Vassily Kandinsky
Tâche noire (1912)
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alberto Pimenta (11) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Brasileiro (1) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (108) Casimiro de Brito (40) Cassiano Ricardo (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (48) Hilda Hilst (41) Iacyr Anderson Freitas (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (467) Pássaro de vidro (52) Pedro Mexia (40) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (279) Reinaldo Ferreira (40) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Knopfli (43) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)