Afogado


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Afogado
Noyé


O mar, em sua ressaca,
vive em eterno vômito.
Cheio de algas e fantasia
devolve o que não lhe pertence.

E guarda em si o peixe
e o estômago embrulhado
e não devolve o navio naufragado
porque as embarcações
são árvores de ferro
que a tragédia plantou.
Em seus intestinos
de água em ebulição
só o náufrago ele rejeita
porque o náufrago
é uma outra caricatura mórbida
de um peixe
sem barbatana
de um peixe
sem guelra
o afogado é um corpo estranho
o afogado é, mesmo morto,
a presença da terra
na digestão salgada.

Tudo cabe no estômago
de água do oceano,
mas feroz e decidido
se recusa a digerir
o que é da terra
e não pertence ao desvario
piscoso das marés.

Assim também devolvo
o afogado que não pertence
à aquosa e uterina imaginação
de ânfora plena de liquens
e aflições de salitre
nada que não faça parte
do inconsciente marítimo
dos meus prazeres submersos.
Ivre en ses ressacs, la mer
dégorge un éternel vomi.
D'algues pleine et de fantaisie,
elle rend ce qui ne lui appartient pas.

Elle garde en elle le poisson
et l'estomac barbouillé
et ne renvoie pas le navire naufragé
parce que les bateaux
sont des arbres de fer
que la tragédie a plantés.
De ses intestins
D'eau en ébullition
il n'y a que le naufragé qu'elle rejette
car le naufragé
est une autre caricature morbide
d'un poisson
sans nageoire
d'un poisson
sans branchies
le noyé est un corps étranger
le noyé est, même mort
la présence de la terre
dans sa digestion salée.

Tout tient dans l'estomac
aqueux de l'océan, mais
farouche et déterminé
il refuse de digérer
ce qui est de la terre
et qui n'appartient pas à la folie
poissonneuse des marées.

C'est ainsi que je renvoie
le noyé qui n'appartient pas
à l'aqueuse et utérine imagination
des amphores emplies de lichens
et des afflictions du salpêtre,
rien qui ne fasse pas partie
de l'inconscient maritime
de mes plaisirs submergés.
________________

William Turner
Naufrage (1805)
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