Neste preciso tempo, neste preciso lugar


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
Manuel António Pina »»
 
Nenhuma palavra e nenhuma lembrança (1999) »»
 
Italien »»
«« précédent/  Sommaire / suivant »»
________________


Neste preciso tempo, neste preciso lugar
À ce moment, en cet endroit précis


No princípio era o Verbo
(e os açúcares
e os aminoácidos).
Depois foi o que se sabe.
Agora estou debruçado
da varanda de um 3° andar
e todo o Passado
vem exactamente desaguar
neste preciso tempo, neste preciso lugar,
no meu preciso modo e no meu preciso estado!

Todavia em vez de metafísica
ou de biologia
dá-me para a mais inespecífica
forma de melancolia:
poesia nem por isso lírica
nem por isso provavelmente poesia.
Pois que faria eu com tanto Passado
senão passar-lhe ao lado,
deitando-lhe o enviesado
olhar da ironia?

Por onde vens, Passado,
pelo vivido ou pelo sonhado?
Que parte de ti me pertence,
a que se lembra ou a que esquece?
Lá em baixo, na rua, passa para sempre
gente indefinidamente presente,
entrando na minha vida
por uma porta de saída
que dá já para a memória.
Também eu (isto) não tenho história
senão a de uma ausência
entre indiferença e indiferença.

Au commencement était le Verbe
(et les glucides
et les acides aminés).
Après il y eut ce que l'on sait.
Je suis maintenant accoudé
au balcon du 3ème étage
et tout le Passé
vient refluer exactement
à ce moment, en cet endroit précis
de mon état, de ma façon d'être précisément !

Toutefois, au lieu de métaphysique
ou de biologie
j'éprouve la forme la moins spécifique
de la mélancolie :
une poésie, ni tout à fait lyrique
ni probablement tout à fait poétique.
Car moi que ferais-je avec autant de passé
si ce n'est passer à côté de lui,
en jetant sur lui de biais
un regard d'ironie ?

Par où viens-tu, Passé,
par le vécu ou par le rêvé ?
Quelle part de toi m'appartient,
dont se souvenir ou qui s'oublie ?
Là en bas, dans la rue, passent pour toujours
des gens indéfiniment présents ;
ils entrent dans ma vie
par une porte de sortie
qui donne déjà sur les souvenirs.
Je n'ai pas (par-là) non plus d'histoire
sinon celle d'une absence
entre indifférence et indifférence.

________________

Georg Baselitz
Adieu, Avignon (2017)
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (8) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (104) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (428) Pássaro de vidro (52) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (247) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)