Elogios de Mario Quintana - II


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
Gilberto Nable »»
 
Poemas do Desalento & Alguns Elogios (2019) »»
 
Italien »»
«« précédent /  Sommaire / suivant »»
________________


Elogios de Mario Quintana - II
Éloges de Mario Quintana - II


Apontamento sobrenatural

Em um escuso bar
encontro Mario Quintana.
O anjo-poeta disfarça as asas
sob o capote cinza
para evitar meu espanto.
Tem a barba escanhoada.
Tanto tempo morando em hotéis,
pegou jeito de hóspede eterno.
Dou-lhe um abraço comovido.
Ele nem tanto.
Pergunta se tenho medo de fantasmas.
Digo que dele não, só um pouquinho,
mas por via das dúvidas, e benzido,
trouxera um pequeno crucifixo de prata.
Indago se o caixão é mesmo de mogno
conforme seu próprio vaticínio.
Balança a cabeça, encabulado,
de nada disso se lembra.
É um bar escuso, mas comum,
e não há nenhum retrato do marechal Deodoro na parede
proclamando a República,
nem mesas com tampos de mármore.
O frio de Porto Alegre,
o barzinho perdido na noite nos obriga:
peço um cálice de vinho do Porto,
ele uma caninha dupla e pura,
da água mais cristalina,
estrela e guia na turbação.
Bebemos ali com gosto.
Lembro a Rua dos cataventos,
até hoje ventando no meu peito,
e, sobretudo,
os poemas do Aprendiz de feiticeiro.
Não pareceu se importar muito com isso,
talvez preocupado com questões etéreas.
Ficamos longo tempo em silêncio
como se estivéssemos meditando.
Súbito consultou o esquisito relógio,
relógio esverdeado e sem ponteiros,
e ficou em pé, num sobressalto.
Alma que perdeu a hora.
Percebi que iria embora sem se despedir.
Por fim deu um riso maroto,
fez um gesto largo
de mágico no circo,
e sumiu no ar
no estouro de uma bolha de sabão.


Notice surnaturelle

Dans un bar désolé
je rencontre Mario Quintana.
L'ange-poète masque ses ailes
sous un capuchon gris
pour éviter ma surprise.
Il a une barbe rasée de près.
À tant vivre à l'hôtel, il avait
pris la forme éternelle de l'hôte.
Je le serre ému entre mes bras.
Lui plus réservé.
Il me demande si j'ai peur des fantômes.
Je lui dis non, un petit peu seulement,
mais que j'avais apporté, juste
au cas où, et béni, un petit crucifix d'argent.
Je m'informe, le cercueil est-il vraiment en acajou
en conformité avec ses prédictions.
Il secoue la tête, embarrassé,
dit ne se souvenir de rien.
C'est un bar désolé mais ordinaire,
et il n'y a aucun portrait du maréchal Deodoro sur le mur
proclamant la République,
ni de tables au plateau de marbre.
Le froid de Porto Alegre,
le petit bar perdu dans la nuit nous oblige :
Je commande un verre de Porto,
lui, un tafia,3 double et pur,
d'une eau plus cristalline,
étoile et guide dans la turbidité.
Là, nous avons bu avec plaisir.
Je me souviens de la Rue des Quatre-vents,
qui souffle encore aujourd'hui dans ma poitrine,
et surtout,
des poèmes de l'Apprenti Sorcier.
Il ne semblait pas s'en soucier beaucoup,
peut-être préoccupé par quelques questions éthérées.
Nous sommes restés silencieux longtemps
comme si nous méditions.
Soudain, il consulta sa montre, une montre
bizarre, verdâtre et sans aiguilles,
et se leva, avec un soubresaut.
Âme qui a perdu son temps.
Je compris qu'il partirai sans dire au revoir.
Pour finir il eut un rire facétieux,
fit le large geste
d'un magicien du cirque,
puis disparut dans l'air
avec le pop d'une bulle de savon.

________________

Henrique Bernardelli
Proclamation de la Répúblique (vers 1900)
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (8) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (104) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (428) Pássaro de vidro (52) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (247) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)