O espelho do tempo


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O espelho do tempo
Le miroir du temps


No espelho, tudo cabe
e nada se fixa ou nele habita.
Os espelhos são malditos
porque estão cheios de fantasmas.
Fantasmas que vagaram
algum dia pelo reflexo fugidio.
O espelho inveja a foto
que tudo retém e imobiliza.
Por sua vez a foto
se ressente de variedade e vazio.
E reclama da fixidez
que deu eternidade
ao que é fluxo contínuo.
A foto é um espelho que se fixou,
o efêmero flash
que se fez memória.
A memória tem mais
de espelho que de foto,
embora as gentes queiram ver
nesses a fixação das águas do rio
como se fosse possível
um homem banhar-se
duas vezes no mesmo rio.
A memória é uma foto
que se mexe e se transforma
conforme se vê aquele
que olha para a câmera.

A câmera da memória
é volúvel, tem vários rostos,
e se movimenta como alguém
que faz caretas no tempo
diante do espelho, ou aparece,
se dilui, retorna mais velho,
e, por fim, não surge mais
sobre a superfície de vidro
como uma memória
ou espelho em que ninguém se mira.
Tout tient dans un miroir
et rien n'y est fixe ou y demeure.
Les miroirs sont maudits
car ils sont remplis de fantômes.
Fantômes qui vaquent
certains jours en fugitives réflexions.
Le miroir jalouse la photo
qui retient tout et immobilise.
Pour sa part la photo ressent
le vide et manque de variété.
Elle se plaint de sa fixité
qui donne une éternité
à ce qui est flux continuel.
La photo est un miroir qui se fige,
le flash éphémère
qui se fait mémoire.
Mais le souvenir tient plus
du miroir que de la photo,
même si les gens voudraient voir ici
le figement des eaux du fleuve
comme s'il était possible
qu'un homme se baigne
deux fois dans les mêmes eaux.
Le souvenir est une photo
qui remue et se transforme,
conformément à ce que voit celui
qui regarde par l'objectif de l'appareil.

L'appareil photo de la mémoire
est inconstant, il a plusieurs visages,
et la mobilité de quelqu'un
qui fait devant le miroir
des grimaces au temps, ou se montre,
se dilue, redevient plus vieux,
et, pour finir, n'apparaît plus
dans la surface du verre
comme un souvenir ou un
miroir en lequel plus personne ne se mire.
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Michelangelo Pistoletto
Chien au miroir (1971)
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