Dias de fera


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Dias de fera
Jours de la bête


Os meus dias devoravam-se
Numa fúria que só podia explicar-se
Por querer-te tanto e tão de perto.
Cheguei prófugo ao pé de ti,
Os teus Verões estavam todos tomados,
E os teus desvelos.
Para mim não restava mais nada
A não ser o amor, como dizias,
Um amor clandestino algures
Nos passadiços do sangue,
Mais um rato nas nossas cloacas.
Jogávamos, pois, com baralhos marcados,
Naipes marfados, sem regras,
E de nada serve apostar constelações
Que não se podem pagar.
Não escolhi ninguém, dizias,
E havia nisto uma nobreza
De espécie desconhecida,
Uma iguaria rara para alimentar
Todas as minhas fúrias,
A sua dança diabólica nos meus dias,
Despedaçando sóis, desmembrando
Outras estrelas, de que deixavam
Ressaibos de espuma.
Não me restava sequer falar-te,
Mas eras para mim a dríade, ainda
O espírito dessa grega perdida
Num século sem graça nem ordem,
O milagre operado pelo mais propositado acaso.
Nunca me cansava de voar para ti,
Mesmo contra a deflação do céu, das noites, do mundo,
Mesmo contra demarcações corruptas,
Contra coágulos líricos
A que éramos ambos tão propensos.
Conhecer-te foi um regresso,
Uma casa que não sabia que tinha,
O dobrar de um cabo para ser acolhido
Não pela indiferença do mar,
Mas por um cintilar de praia,
De corpo estendido.
No entanto, não me restava sequer falar-te.
A minha fala era só um silvo, um urro,
Os meus dias eram de fera, e nada mais.

Mes jours se dévoraient
Avec une fureur qui ne pouvait s'expliquer
Que par un tel désir de t'avoir auprès de moi.
Je suis venu, confus vagabond, jusqu'à toi.
Tes étés étaient tous occupés,
Et aussi tes attentions.
Pour moi, il ne restait plus rien
Si ce n'est l'amour, comme tu disais,
Un amour clandestin quelque part
Sur les passerelles du sang,
Un rat de plus dans notre cloaque.
Et nous jouions alors avec des cartes marquées,
D'enragées combinaisons de couleurs, sans règles,
Or il ne sert à rien de miser sur des constellations
Qui ne peuvent être payées.
Je n'ai choisi personne, disais-tu,
Et il y avait là une noblesse
D'un genre inconnu,
Une rare gourmandise propre à nourrir
Toutes mes furies,
Sa danse diabolique sur le fil de mes jours,
Brisant les soleils, démembrant
D'autres étoiles, y laissaient
L'âcre saveur d'une écume.
Je ne pouvais pas même te parler,
Mais tu étais pour moi la dryade, toujours
L'esprit de ce Grec perdu
Dans un siècle sans grâce ni ordre,
Le miracle opéré par le hasard le plus intentionnel.
Je ne me suis jamais lassé de m'envoler vers toi,
Malgré la déflation du ciel, des nuits, du monde,
Malgré les démarcations corrompues,
En dépit des caillots lyriques
Auxquels nous étions tous les deux si enclins.
Ta rencontre était un retour,
Une maison que je possédais sans le savoir,
La flexion d'un câble, pour être accueilli
Non, par l'indifférence de la mer
Mais par le miroitement sur la plage,
D'un corps étendu.
Cependant, je ne pouvais pas même te parler.
Ma parole n'était qu'un chuintement, un rugissement,
Mes jours étaient ceux de la bête, et rien de plus.

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Tracey Emin
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