Rosto de uma condenada
(da Cadeia da Relação do Porto)


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Rosto de uma condenada
(da Cadeia da Relação do Porto)
Visage d'une condamnée
(de la prison de la Cour d'appel de Porto)


De que causas emergem estes olhos,
Desferindo o seu negro a direito,
Ninguém sabe. Nada se sabe do desfecho
Desta mulher de cenho franzido
E cabelo desgrenhado, de número ao peito,
Miúda, tisnada por muitos mais sóis
Que se queimam na agrura.
Este rosto recusa-se a não ter feito nada,
Despreza as expressões destiladas, insípidas,
Como o arrependimento ou a piedade.
Lança-se, irremediável, no poço do seu crime,
Juntando-se à contumácia das luas,
Que preferem perder-se nas águas
À existência insípida na ficção de um céu.
No fundo, a vida dessas damas,
Adereços em casas burguesas,
Entre almofadas, reposteiros, lavores,
Um pouco pálidas, um pouco consumptas,
Não mais do que o necessário ao seu encanto;
Damas canoras, à maneira italiana em voga,
Nas tristezas, histerias e prantos.
No entanto, esta mulher prefere a culpa
De não acreditar no juízo
E muito menos na injustiça,
Essa desordem consoladora.
Se pensa em alguma coisa,
Não pensa nisso.
Por um segmento de instante,
Talvez fosse possível passar os dedos
E sentir o relevo de uma aflição,
Latente e, porém, distante. 
Mas então, logo este rosto duro
Dissipa os dedos:
Imagens vindouras não podem julgar.

De quel procès ont-ils émergé, ces yeux
Déployant leur noirceur droit devant,
Personne ne le sait. On ne sait rien de l'affaire
Rien sur cette femme aux sourcils froncés
Aux cheveux en bataille, avec un numéro sur la poitrine,
Fille, plus tannée par les soleils
Que par les brûlures de l'aigreur.
Ce visage se refuse à n'avoir jamais rien fait,
Il dédaigne les expressions distillées et insipides,
Comme le sont le repentir ou la pitié.
Il se jette éperdument dans le gouffre de son crime,
Rejoignant ainsi, à contumace, des lunes
Qui préfèrent se perdre dans les eaux
A une existence insipide dans la fiction d'un ciel.
Refusant au fond, la vie de ces dames,
Le confort de leurs maisons bourgeoises,
Parmi les coussins, rideaux et salles de bain,
Un peu pâle, un peu consomptive,
Et tout autant ce qui est nécessaire à leur charme ;
Dames qui dégoisent, à la mode italienne en vogue,
Sur leurs chagrins, faits d'hystéries et de pleurs.
Cependant, cette femme préfère sa coulpe,
Ne croyant pas en ce jugement
Et moins encore en l'injustice,
Ce désordre consolateur.
Si elle pense à quelque chose,
C'est sans y penser.
Peut-être un court laps de temps,
As-tu réussi à le toucher du doigt et
Ressenti le soulagement d'une affliction
Latente et, pourtant lointaine.
Mais alors, bientôt ce visage dur
Se dissipe entre tes doigts :
Images à venir ne peuvent être jugées.

________________

John Cunnane
Isolement (2020)
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