Lugares da Infância


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Manuel António Pina »»
 
Um Sítio Onde Pousar A Cabeça (1991) »»
 
Italien »»
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Lugares da Infância
Lieux de l'enfance


Lugares da infância onde
sem palavras e sem memória
alguém, talvez eu, brincou
já lá não estão nem lá estou.

Onde? Diante
de que mistério
em que, como num espelho hesitante,
o meu rosto, outro rosto, se reflecte?

Venderam a casa, as flores
do jardim, se lhes toco, põem-se hirtas
e geladas, e sob os meus passos
desfazem-se imateriais as rosas e as recordações.

O quarto eu não o via
porque era ele os meus olhos;
e eu não o sabia
e essa era a sabedoria.

Agora sei estas coisas
de um modo que não me pertence,
como se as tivesse roubado.

A casa já não cresce
à volta da sala,
puseram a mesa para quatro
e o coração só para três.

Falta alguém, não sei quem,
foi cortar o cabelo e só voltou
oito dias depois,
já o jantar tinha arrefecido.

E fico de novo sozinho,
na cama vazia, no quarto vazio.
Lá fora é de noite, ladram os cães;
e eu cubro a cabeça com os lençóis.

Lieux de l'enfance où
sans paroles et sans mémoire
quelqu'un, moi peut-être, joue.
Ils ne sont plus là ni moi non plus.

Où ? Devant
quel mystère
dans lequel, comme en un miroir hésitant,
mon visage, un autre visage, se reflète-t-il ?

On a vendu la maison. Les fleurs
du jardin, si je les touche, se roidissent
et se glacent, et sous mes pas
se fanent, immatériels les roses et les souvenirs.

Ma chambre, je ne l'ai pas vu
car elle était dans mon regard ;
et je n'en savais rien
et c'était la sagesse.

Ces choses maintenant je les sais
d'une manière qui ne m'appartient pas,
comme si je les avais volées.

La maison désormais ne
grandit plus autour de la salle,
mettre la table pour quatre et
ne mettre le cœur que pour trois.

Quelqu'un manque, je ne sais qui,
il est parti se faire couper les cheveux,
il est rentré huit jours plus tard,
et le dîner avait bien refroidi.

De nouveau, je suis seul,
mon lit est vide, la chambre est vide ;
Au dehors, c'est la nuit, les chiens aboient;
et je me couvre la tête avec les draps.

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Vilhelm Hammershøi
Interieur (1890)
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