O cadafalso


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
Vinícius de Moraes »»
 
Forma e exegese (1935) »»
 
Italien »»
«« précédent /   Sommaire / suivant »»
________________


O cadafalso
La potence


Eu caí de joelhos diante do amor transtornado do
  teu rosto
Estavas alta e imóvel — mas teus seios vieram sobre
  mim e me feriram os olhos
E trouxeram sangue ao ar onde a tempestade agonizava.
Subitamente cresci e me multipliquei ao peso de tanta
  carne
Cresci sentindo que a pureza escorria de mim como
  a chuva dos galhos
E me deixava parado, vazio para a contemplação da
  tua face.
Longe do mistério do teu amor, curvado, eu fiquei
  ante tuas partes intocadas
Cheio de desejo e inquietação, com uma enorme
  vontade de chorar no teu vestido.
Para desvendar as tuas formas nas minhas lágrimas
Agoniado abracei-te e ocultei o meu sopro quente
  no teu ventre
E logo te senti como um cepo e em torno a mim eram
  monges brancos em ofício de mortos
E também — quem chorou? — Vozes como lamentações
  se repetindo.
No horror da treva cravou-se em meus olhos uma
  estranha máscara de dois gumes
E sobre o meu peito e sobre os meus braços, tenazes
  de fogo, e sob os meus pés piras ardendo.
Oh, tudo era martírio dentro daquelas vozes soluçando
Tudo era dor e escura angústia dentro da noite
  despertada!
“Me salve - gritei - me salvem que não sou eu!” - e as
  ladainhas repetiam - me salvem que não sou eu!
E veio então uma mulher como uma visão sangrenta
  de revolta
Que com mão de gigante colheu o que de sexo havia
  em mim e o espremeu amargamente
E que separou a minha cabeça violentamente do meu
  corpo.
Nesse momento eu tive de partir e todos fugiam
  aterrados
Porque misteriosamente meu corpo transportava
  minha cabeça para o inferno...

Je suis tombé à genoux devant l'amour altéré de
  ton visage
Tu étais fière et immobile - mais tes seins vers moi vinrent
  et me blessèrent les yeux
Et ils ont apporté du sang dans l'air où la tempête agonisait.
Soudain j'ai grandi et me suis multiplié sous le poids
  de tant de chairs
J'ai grandi sentant que la pureté s'écoulait de moi comme
  la pluie des branches
Et elle m'a laissé là figé, vide dans la contemplation
  de ton visage.
Loin du mystère de ton amour je me tenais, courbé, devant
  tes parties intouchées
Plein de désir et d'inquiétude, avec cet énorme envie
  de pleurer sur ta robe.
Pour percer à jour tes formes dans mes larmes
oppressé, je t'ai embrassé cachant mon souffle chaud
  dans ton ventre
Et puis je t'ai senti comme une souche et autour de moi
  il y avait des moines blancs à l'office des morts
Et encore – qui a pleuré ? – des voix comme des lamentations
  qui se répétaient.
Dans l'horreur des ténèbres, s'est fixé sur mes yeux
  un masque étrange à double lame
Et sur ma poitrine et sur mes bras, tenaillés par le feu,
et sous mes pieds, le bûcher ardent.
Oh, tout n'était que martyre à l'intérieur de ces voix sanglantes,
Tout est douleur et angoisse obscure dans la nuit
  éveillée !
"Sauvez-moi – criais-je – sauvez-moi, ce n'est pas moi !" – et
  les litanies se répétèrent – sauvez-moi, ce n'est pas moi !
Puis une femme est venue comme une vision de révolte
  sanglante
Qui d'une main de géante cueillit ce qu'il y avait de sexe
  en moi et elle le pressa amèrement
Et cela sépara ma tête avec violence de mon
  corps.
A ce moment, j'ai dû partir et tout le monde s'est enfui
  terrifié
Car mystérieusement mon corps transportait ma tête
  jusqu'en enfer..

________________

Artemisia Gentileschi
Judith et Holopherne (1620)
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Adão Ventura (41) Adélia Prado (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alberto Pimenta (40) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antonio Brasileiro (41) Antonio Osorio (17) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Antônio Cícero (40) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (112) Casimiro de Brito (40) Cassiano Ricardo (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (40) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (30) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (48) Hilda Hilst (41) Iacyr Anderson Freitas (41) Inês Lourenço (40) Jorge Sousa Braga (40) Jorge de Sena (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (41) José Régio (41) José Saramago (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Luis Filipe Castro Mendes (40) Lêdo Ivo (33) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (33) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mario Quintana (38) Micheliny Verunschk (40) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Mário Cesariny (34) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (492) Pedro Mexia (40) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (301) Pássaro de vidro (52) Reinaldo Ferreira (40) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Knopfli (43) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (48) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)