A paixão da carne


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A paixão da carne
La passion de la chair


Envolto em toalhas
Frias, pego ao colo
O corpo escaldante.
Tem apenas dois anos
E embora não fale
Sorri com doçura.
É Pedro, meu filho
Sêmen feito carne
Minha criatura
Minha poesia.
É Pedro, meu filho
Sobre cujo sono
Como sobre o abismo
Em noites de insônia
Um pai se debruça.
Olho no termômetro:
Quarenta e oito décimos
E através do pano
A febre do corpo
Bafeja-me o rosto
Penetra-me os ossos
Desce-me às entranhas
Úmida e voraz
Angina pultácea
Estreptocócica?
Quem sabe... quem sabe...
Aperto meu filho
Com força entre os braços
Enquanto crisálidas
Em mim se desfazem
Óvulos se rompem
Crostas se bipartem
E de cada poro
Da minha epiderme
Lutam lepidópteros
Por se libertar.
Ah, que eu já sentisse
Os êxtases máximos
Da carne nos rasgos
Da paixão espúria!
Ah, que eu já bradasse
Nas horas de exalta-
Ção os mais lancinantes
Gritos de loucura!
Ah, que eu já queimasse
Da febre mais quente
Que jamais queimasse
A humana criatura!
Mas nunca como antes
Nunca! nunca! nunca!
Nem paixão tão alta
Nem febre tão pura.

Enveloppé de serviettes
Froides, je tiens son corps
Brûlant sur mes genoux.
Il a deux ans à peine
Et bien qu'il ne parle pas,
Il sourit gentiment.
C'est Pedro, mon fils
Le sperme fait chair
Ma création
Ma poésie.
C'est Pedro, mon fils
Sur le sommeil duquel
Un père se penche
Comme sur un abîme
Lors de ses nuits blanches.
Regard sur le thermomètre :
Quarante et huit dixièmes
Et au travers des langes
La fièvre de son corps
Souffle sur mon visage
Pénètre mes os
Descend dans mes entrailles
Humide et vorace
Angine pultacée
À streptocoques ?
Qui sait... qui sait...
Je presse mon fils
Avec force entre mes bras
Tandis que des chrysalides
En moi se dénouent
Des ovules se rompent
Que des croutes desquament
Et que chaque pore
De mon épiderme
Combattent des lépidoptères
Pour se libérer
Ah, que n'ai-je senti déjà les plus
Fortes extases de la chair
Dans les déchirements
D'une passion illusoire !
Ah, que n'ai-je poussé
Dans les heures d'exalta-
Tion les cris les plus
Lancinants de la folie !
Ah, que n'ai-je déjà brûlé
De la fièvre la plus chaude
Qui jamais ne brûlât
Humaine créature !
Mais jamais comme alors
Jamais ! Jamais !
Je n'eus passion plus haute
Ni fièvre plus pure.

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Margarita Sikorskaia
Paternité (2002)
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