Ode ao Tejo e à memória de Álvaro de Campos


Nom :
 
Recueil :
 
Autre traduction :
Adolfo Casais Monteiro »»
 
Noite aberta aos quatro ventos (1943) »»
 
Italien »»
«« précédent /  Sommaire / suivant »»
________________


Ode ao Tejo e à memória de Álvaro de Campos
Ode au Tage et à la mémoire de Álvaro de Campos


E aqui estou eu,
ausente diante desta mesa -
e ali fora o Tejo.
Entrei sem lhe dar um só olhar.
Passei, e não me lembrei de voltar a cabeça,
e saudá-lo deste canto da praça:
"Olá, Tejo! Aqui estou eu outra vez!"
 
Não, não olhei.
Só depois que a sombra de Álvaro de Campos se sentou
a meu lado
me lembrei que estavas aí, Tejo.
Passei e não te vi.
Passei e vim fechar-me dentro das quatro paredes, Tejo!
 
Não veio nenhum criado dizer-me se era esta a mesa
em que Fernando Pessoa se sentava,
contigo e os outros invisíveis à sua volta,
inventando vidas que não queria ter.
Eles ignoram-no como eu te ignorei agora, Tejo.
Tudo são desconhecidos, tudo é ausência no mundo,
tudo indiferença e falta de resposta.
Arrastas a tua massa enorme como um cortejo de glória,
e mesmo eu que sou poeta passo a teu lado de olhos
fechados,
Tejo que não és da minha infância,
mas que estás dentro de mim como uma presença
indispensável,
majestade sem par nos monumentos dos homens,
imagem muito minha do eterno,
porque és real e tens forma, vida, ímpeto,
porque tens vida, sobretudo,
meu Tejo sem corvetas nem memórias do passado...
Eu que me esqueci de te olhar!
 
O meu mal é não ser dos que trazem beleza metida
na algibeira
e não precisam de olhar as coisas para as terem.
Quando não está diante dos meus olhos, está sempre
longe.
Não te reduzi a uma idéia para trazer dentro da cabeça,
e quando estás ausente, estás mesmo ausente dentro
de mim.
Não tenho nada, porque só amo o que é vivo,
mas a minha pobreza é um grande abraço em que tudo
é sempre virgem,
porque quando o tenho, é concreto nos braços fechados
sobre a posse.

Não tenho lugar para nenhum cemitério dentro de mim...
E por isso é que fiquei a pensar como era grave ter
passado sem te olhar, ó Tejo.
Mau sinal, mau sinal, Tejo
Má hora, Tejo, aquela em que passei sem olhar para onde
estavas.
Preciso dum grande dia a sós comigo, Tejo,
levado nos teus braços,
debruçado sobre a cor profunda das tuas águas,
embriagado do teu vento que varre como um hino
de vitória
as doenças da cidade triste e dos homens acabrunhados...
Preciso dum grande dia a sós contigo, Tejo,
para me lavar do que deve andar de impuro dentro de mim,
para os meus olhos beberem a tua força de fluxo
indomável,
para me lavar do contágio que deve andar a envenenar-me
dos homens que não sabem olhar para ti e sorrir à vida,
para que nunca mais, Tejo, os meus olhos possam
voltar-se para outro lado
quando tiverem diante de si a tua grandeza, Tejo,
mais bela que qualquer sonho,
porque é real, concreta, e única!

Et me voici, moi
absent devant cette table -
et là-bas au loin le Tage.
Je suis entré sans lui jeter un seul regard.
Je suis passé et je ne me souviens pas d'avoir tourner la tête,
et je le salue de cet endroit de la place:
« Salut, Tage ! Me voici de nouveau ! »

Non, je n'ai pas regardé.
Ce n'est que lorsque l'ombre d'Álvaro de Campos s'est assise
à mes côtés
Que je me suis souvenu de ta présence, Tage.
Je suis passé et je ne t'ai pas vu.
Je suis passé pour m'enfermer entre ces quatre murs, Tage !

Aucun serveur n'est venu me dire si cette table était celle où
Fernando Pessoa s'asseyait.
avec toi et entouré par les autres invisibles,
inventant des vies qu'il ne voulait pas avoir.
Ils t'ignoraient comme je te ignore maintenant, Tage.
Tous sont inconnus, tout est absence au monde,
tout, indifférence et absence de réponse.
Tu traînes ta masse énorme comme un cortège de gloire,
et moi-même qui suis poète, je passe à tes côtés les yeux
fermés,
Tage, toi qui n'es pas de mon enfance,
mais qui est au-dedans en moi comme une présence
indispensable,
majesté sans pareille parmi les monuments des hommes,
image de l'éternité, bien trop mienne,
car tu es réel et tu imposes ta vie, ta fougue,
car tu es vivant, avant tout,
mon Tage sans corvettes ni souvenirs du passé ...
J'ai oublié de te regarder!

Mon mal est de n'être pas de ceux qui emmènent la beauté
fourré dans leur poche
et qui n’ont pas besoin de regarder les choses pour les avoir.
Quand elles ne sont pas devant mes yeux, elles sont
toujours loin.
Je ne t'ai pas réduit à une idée à se mettre dans la tête,
et lorsque tu es absent, alors tu es aussi absent au-dedans
de moi.
Je ne possède rien, car je n'aime que ce qui est vivant,
mais ma pauvreté est une grande étreinte en laquelle tout est
toujours vierge,
car lorsque je l'ai, il est concret entre mes bras fermés sur leur
possession.

Il n'y a de lieu pour aucun cimetière en moi...
Et c'est pourquoi je me suis mis à penser qu'il était grave
d'être passé sans te regarder, ô Tage.
Mauvais signe, mauvais signe, Tage
Mauvaise heure, Tage, quand je passais sans regarder
l'endroit où tu étais.
J'ai besoin d'une belle journée seul avec toi, Tage,
entre tes bras, porté,
penché sur la couleur profonde de tes eaux,
enivré par le souffle du vent qui balaie comme un hymne
de victoire.
tous les maux de la ville triste et des hommes accablés...
J'ai besoin d'une belle journée seule avec toi, Tage,
pour me laver de ce qui devait être impur en moi,
pour que mes yeux puissent boire la force de tes flots indomptables,
pour me laver de la contagion qui devait m'empoisonner
des hommes qui ne savent pas te regarder et sourire à la vie,
pour que jamais plus, Tage, mes yeux ne viennent à se
tourner d'un autre côté
lorsque tu nous montres ta grandeur, Tage,
plus beau que tous les rêves,
parce qu'il est réel, concret, unique !

________________

Almada Negreiros
Portrait de Fernando Pessoa (1964)
...

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire

Nuage des auteurs (et quelques oeuvres)

A. M. Pires Cabral (44) Adélia Prado (40) Adolfo Casais Monteiro (36) Adriane Garcia (40) Affonso Romano de Sant'Anna (41) Al Berto (38) Albano Martins (41) Alexandre O'Neill (29) Ana Cristina Cesar (38) Ana Elisa Ribeiro (40) Ana Hatherly (43) Ana Luísa Amaral (40) Ana Martins Marques (48) Antônio Cícero (40) António Gedeão (37) António Ramos Rosa (39) Augusto dos Anjos (50) Caio Fernando Abreu (40) Carlos Drummond de Andrade (43) Carlos Machado (104) Casimiro de Brito (40) Cecília Meireles (37) Conceição Evaristo (33) Daniel Faria (40) Dante Milano (33) David Mourão-Ferreira (40) Donizete Galvão (41) Eugénio de Andrade (34) Ferreira Gullar (39) Fiama Hasse Pais Brandão (38) Francisco Carvalho (40) Galeria (27) Gastão Cruz (40) Gilberto Nable (46) Hilda Hilst (41) Inês Lourenço (40) João Cabral de Melo Neto (43) João Guimarães Rosa (33) João Luís Barreto Guimarães (40) Jorge de Sena (40) Jorge Sousa Braga (40) José Eduardo Degrazia (40) José Gomes Ferreira (40) José Saramago (40) Lêdo Ivo (33) Luis Filipe Castro Mendes (40) Manoel de Barros (36) Manuel Alegre (41) Manuel António Pina (32) Manuel Bandeira (39) Manuel de Freitas (41) Marina Colasanti (38) Mário Cesariny (34) Mario Quintana (38) Miguel Torga (31) Murilo Mendes (32) Narlan Matos (85) Nuno Júdice (32) Nuno Rocha Morais (432) Pássaro de vidro (52) Poemas Sociais (30) Poèmes inédits (250) Reinaldo Ferreira (4) Ronaldo Costa Fernandes (42) Rui Pires Cabral (44) Ruy Belo (28) Ruy Espinheira Filho (43) Ruy Proença (41) Sophia de Mello Breyner Andresen (32) Tesoura cega (35) Thiago de Mello (38) Ultimos Poemas (103) Vasco Graça Moura (40) Vinícius de Moraes (34)