As crianças da noite


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As crianças da noite
Les enfants de la nuit


eu ouço as crianças da noite
beijando flores murchas como colibris mortos
 um demônio em seus olhares pousa porque só há escuridão e nada
mais que se encontre
 porque não há verão em seus olhares nem dois mil sóis explodem
em suas mãos

eu vejo as crianças da noite
 amamentadas por seios desnutridos, rotos, por seios frágeis de areia
 amamentadas por um leite branco mas que não é de nuvens nem de leite

 que gosto terá o leite da vida na boca das crianças
da noite?

 que olhares podem ter crianças nascidas de seios sem verão de
úteros sem mães?

eu vejo as crianças da noite
 embaladas em algum balanço que não vejo numa ciranda que não terna
que não adentra até o mais mim de mim
que amanheceres procuram elas pelo céu?
que raios do firmamento descerão às suas faces?
ouço os chacais africanos numa manhã de um mês frio
o dia não passa de uma pérola alva num jardim destroçado

eu vejo as crianças da noite
traficando diamantes e constelações e dentes de marfim
não há serafins em seus semblantes de sabre
não há uma guitarra cigana em suas bocas
e os riachos não escorregam em suas veias
 não defendem até a morte a cidade de Andorra onde encurralaram a liberdade

eu vejo as crianças da noite
escavando com as unhas na lama a primavera e a quimera
revirando ruínas de papéis e cinza em busca da palavra que
explique o azul cubista do céu
o que há de errado em seus olhares?
o que há de breu em seus sorrisos?
nas favelas do Rio de Janeiro nas favelas da Jamaica
nas esquinas do Cairo, Manágua e Katmandu
nos bananais do Equador e da Guatemala
nas fazendas de borracha do Brasil
nos solos afiados do Oriente Médio
nas periferias de Saigon San Salvador e Hanói
algo me dói algo me corrói

eu ouço o grito desesperado das crianças da noite
J'entends les enfants de la nuit.
baiser des fleurs fanées comme des colibris morts
 un démon dans leurs yeux repose car il n'y a que l'obscurité et rien
à trouver d'autre car
 il n'y a plus d'été dans leurs yeux ni deux mille soleils qui explosent
dans leurs mains

Je vois les enfants de la nuit
 allaités par des seins dénutris, flasques, des seins de sable, fragiles
 allaités par un lait blanc mais qui n'est point de nuages
ni blanc de lait

 quel goût aura le lait de la vie dans la bouche des enfants de la nuit ?

 quel regard peuvent avoir des enfants nés de seins sans été d'un
utérus sans mère ?

Je vois les enfants de la nuit
 se laisser aller à des balancements dont la vue m'échappe une ronde qui n'est pas tendre
ni ne pénètrent au plus profond de moi
Quels éveils recherchent-ils dans le ciel ?
quels rayons du firmament vont descendre sur leur face ?
J'entends au seuil d'un mois d'hiver les chacals africains
le jour n'est qu'une perle d'aube dans un jardin en ruine

Je vois les enfants de la nuit
trafiquer diamants constellations et dents d'ivoire
il n'y a rien de séraphique dans leur semblant de sabre
il n'y a pas de guitares tsiganes dans leur voix
ni de ruisseaux qui se déversent dans leurs veines
 Ils ne défendront pas jusqu'à mourir la cité d'Andorre où fut enclosse leur liberté

Je vois les enfants de la nuit
dans la boue excaver de leurs ongles printemps et chimère
fouiller les poubelles de papiers et de cendre à la recherche
du mot qui explique l'azur cubiste du ciel
Qu'est-ce qui ne va pas dans leurs regards ?
Qu'est ce qui est brouillé dans leurs sourires ?
dans les favelles de Rio de Janeiro ou de la Jamaïque
dans les quartiers du Caire, de Managua et de Katmandou
dans les bananeraies de l’Équateur et du Guatemala
dans les fazendas du caoutchouc au Brésil
dans les sols éventrés du Moyen-Orient
dans les banlieues de Saïgon San Salvador et Hanoï
quelque chose me fait mal me ronge

J'entends le cri désespéré des enfants de la nuit
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Bartolomé Esteban Murillo
Petit mendiant (1645-1650)
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